Homilia - 30/09/2018 - XXV Domingo do Tempo Comum
Na sociedade atual, grande peso tem aquele que detém o “poder” politico, econômico e religioso. Muitas vezes, desfazemo-nos de pessoas porque não possuem nenhuma influência, nenhum “apadrinhamento”. A roda da sociedade gira em torno do poder e da ambição, sem que nos importemos com aqueles que são massacrados por essa engrenagem. “Sabe com quem está falando?” – pergunta conhecida por muitos de nós.
Na primeira leitura de hoje, um texto do Livro dos Números, ficamos sabendo que dois dos setenta dirigentes convocados não compareceram à reunião, mas mesmo assim receberam o Espírito de Deus. Isso não agradou a Josué, auxiliar de Moisés, que lhe pediu que os proibissem de profetizar: “Não pode! Essa missão é só nossa!”.
Moisés não acha ruim que o Espírito de Deus estivesse agindo nos dois anciãos que não estavam na reunião com os outros 68. Não proibiu e disse que seria melhor se todo o povo recebesse o Espírito. “Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta, e que o Senhor lhe concedesse o seu Espírito!".
Às vezes, fazemos como Josué. Só reconhecemos nos “nossos” o direito de falar da mensagem de Deus e agir corretamente. Mas o Espírito sopra onde quer.
Frequentemente, jornalistas, escritores, artistas de todo tipo que nem se consideram religiosos deixam ao povo mensagens que combinam muito bem com os valores do Reino.
Pode parecer estranho dizer que todos nós temos a missão de profeta. No Antigo Testamento o rei deveria aquele que cuidasse do povo, como o pastor que cuida de seu povo. Em breve escolheremos o presidente, mas, numa democracia, o poder político é exercido pelo povo todo, para que as coisas aconteçam dentro da Lei de Deus. Dá vontade de dizer como Moisés: “Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta, e que o Senhor lhe concedesse o seu Espírito!".
A segunda leitura da Carta de Tiago tem palavras bem concretas mesmo duras: os ricos, cuja riqueza é fruto de ambição, são ameaçados. Esta riqueza está podre e fez apodrecer a própria vida. Por quê? Porque está cheia de traças e ferrugem, pois, em muitos casos, ela é fruto de exploração e corrupção. “Vossa riqueza está apodrecendo, e vossas roupas estão carcomidas pelas traças. Vosso ouro e vossa prata estão enferrujados, e a ferrugem deles vai servir de testemunho contra vós e devorar vossas carnes, como fogo! (Tg 5,2-3).
Tiago chega a dizer que tais ricos condenaram e assassinaram o justo (Tg 5,6). Assassinar é uma palavra forte, mas tem lá sua razão de ser. Os pobres morrem de fome, por falta de atendimento médico, por causa de doenças que nem deveriam mais existir se as condições sanitárias fossem melhores, pelas múltiplas consequências do abandono e de direitos básicos que lhes são negados. Quem não se importa com isso, de certa forma é aliado da morte.
No Evangelho, temos um episódio semelhante ao que está na primeira leitura. Os discípulos, como aconteceu com Josué, também se queixam de gente que invadia um terreno que eles consideravam exclusivamente seu. Faziam milagres! Onde se viu?
A atitude dos discípulos mostra arrogância, sectarismo, intransigência, intolerância, ciúmes, mesquinhez, pretensão de monopolizar Jesus e a sua proposta, presunção de serem os donos exclusivos do bem e da verdade…
Jesus tem uma atitude diferente: já que estes estão fazendo o bem e usam com boa intenção o seu nome, não vê problema, considera estas pessoas como aliados.
Jesus procura levar os discípulos a ultrapassar uma visão sectária e egoísta da missão. Na perspectiva de Jesus, quem luta pela justiça e faz obras de caridade e em favor do homem, está do lado de Jesus e vive na dinâmica do Reino, mesmo que não esteja formalmente dentro da estrutura eclesial.
A comunidade de Jesus não pode ser uma comunidade fechada, exclusivista, monopolizadora, que sente ciúmes quando alguém de fora faz o bem; nem pode sentir-se atingida nos seus privilégios e direitos pelo fato de o Espírito de Deus atuar fora das fronteiras da Igreja… A comunidade de Jesus deve ser uma comunidade que põe, acima dos seus interesses, a preocupação com o bem do homem; e deve ser uma comunidade que sabe acolher, apoiar e estimular todos aqueles que atuam em favor da libertação dos irmãos.
Na segunda parte do Evangelho, as palavras de Jesus são duras. Ele fala como costumam falar os judeus: com imagens fortes, para acentuar a gravidade da mensagem então diz que é melhor cortar fora o olho, a mão, o pé, se essas coisas estiverem atrapalhando a fidelidade a Deus e a construção do Reino. Diz que é melhor entrar no Reino de Deus com um olho só do que ir para o inferno com dois.
Evidentemente não é para ser interpretado ao pé da letra: não tem muito cabimento alguém ficar mutilado no céu, que é a felicidade completa. Também não vamos recomendar que as pessoas saiam por aí cortando pés e mãos, porque todos nós, de um jeito ou de outro, já usamos partes do nosso corpo em variados tipos de pecado, basta lembrar a língua de muita gente. Mas permanece a gravidade do aviso: nada, nada mesmo, pode ser mais valioso do que a fidelidade a Deus e a construção do Reino da justiça e da paz entre nós.. Nisso se decide a qualidade da pessoa que construímos em nós mesmos. Em que coisa melhor poderíamos investir nossos esforços?
Qual é a mensagem dos textos litúrgicos de hoje? Ter os sentimentos de Cristo.
Os dois exemplos — aquele do sentimento ciumento e este da exploração dos pobres — ajudam entender como cada um de nós tem, na Bíblia, um modo de ver o mundo, um jeito de viver na sociedade, de relacionar-se com as pessoas tendo os mesmos sentimentos de Cristo. Temos uma oportunidade para verificar com que sentimentos vivemos, com quais sentimentos nos relacionamos com os outros, como são nossos sentimentos com quem é diferente de nós, com quem não pertence ao nosso grupo, ao nosso movimento, à nossa Igreja.
Frei Gunther Max Walzer