Homilia - 07/10/2018 - XXVII Domingo do Tempo Comum
A liturgia deste domingo nos leva a uma reflexão sobre a obra da criação de Deus e o divórcio, sendo desvio do projeto de Deus. O ser humano pertence à criação de Deus de um modo especial. Vegetais e animais fazem o que está de acordo com a sua natureza, adaptando-se às mudanças climáticas e outras influências ambientais. A natureza humana tem um impulso transformador, que leva o ser humano a descobrir, criar, modificar, tanto seu ambiente como sua maneira de viver.
Isso, ao mesmo tempo, nos pode dar grandeza ou diminuir a dignidade humana. Um escritor francês refletiu assim sobre a condição humana: O homem é uma oportunidade infinita. Mas é infinitamente responsável por essa oportunidade (Albert Camus). Somos uma oportunidade infinita porque podemos nos construir de muitas maneiras. Cada escolha que fazemos abre novas possibilidades, tanto em nossas relações humanas como na transformação do mundo. Temos uma responsabilidade que vegetais e animais não têm. Essa responsabilidade é a nossa glória ou a nossa tragédia. Sem ela seriamos robôs sem mérito algum. Com ela crescemos ou nos destruímos. Uma experiência concreta temos, hoje, no dia das eleições: a escolha dos nossos representantes políticos ou faz crescer o país ou nos levará ao fundo do posso. E não decidimos como se tudo começasse ou acabasse em nossa vida: toda escolha e decisão tem consequências para outros, numa medida que nem conseguimos completamente avaliar.
A primeira leitura fala da criação do mundo. Não conta como, de fato, tudo começou, mas indica, de forma poética e simbólica, o que significa a presença humana no grande projeto criador de Deus. Entre todas as obras, o texto apresenta duas criaturas que são colocadas em pé de igualdade, como complementares: o homem e a mulher. Homem e mulher são feitos do mesmo material, pelo mesmo Deus, com a mesma sabedoria. Não apenas têm a mesma dignidade. Foram criados para serem mutuamente complementares e solidários.
No evangelho de hoje, o assunto é o divórcio. Para Jesus o ser humano foi criado para o encontro, não para o desencontro, foi feito para partilhar o amor, não para descartá-lo.
O divórcio era uma prática comum na época de Jesus. Baseados na Lei mosaica, os maridos não tinham escrúpulos de se desfazer das próprias mulheres, mesmo por motivos banais. Os fariseus, com más intenções, sondaram Jesus para saber a opinião dele a esse respeito. No fundo, queriam saber como ele se posicionava diante da Lei: se a respeitava e se submetia a seus ditames, ou não.
A resposta de Jesus não permitiu aos fariseus concretizar seu intento. O Mestre retomou o relato da criação, fundamento bíblico do matrimônio, e explicitou o projeto de Deus a partir daí.
Jesus fala do projeto inicial de Deus. Ele diz a quem fala de divórcio. “No princípio não era assim...”. Esse “no princípio” significa “no projeto que Deus tinha em mente quando nos criou”.
Jesus reconhece que Deus teve tolerância com toda essa parte do povo que não conseguiu compreender e viver melhor a união do casal: ele diz que Deus permitia a situação vivida no tempo de Moisés levando em conta a “dureza de coração”, a incapacidade de fazer algo melhor naquele momento, com o tipo de compreensão e de cultura que as pessoas tinham. Será que casais, hoje, não estariam numa situação que também justificaria uma avaliação assim? Só Deus sabe.
Não podemos esquecer que o divórcio existe por causa da dureza do coração humano. Todo ensino da Bíblia fala de reconciliação, arrependimento e perdão. O padrão é o coração de Deus, não o coração duro do homem. Antes de falarmos de divórcio temos que falar sobre o que é casamento e sobre reconciliação. Depois dessa compreensão é que podemos achar espaço para falarmos de divórcio. O divórcio por questões banais: o amor acabou, achou alguém mais atraente, não sinto mais nada, não há comunicação. Se você entrar para o divórcio, se houver outro casamento haverá adultério, pois mesmo se legalmente for aprovado, diante do Senhor você é casado com o cônjuge. O divórcio não é a resposta, abre ferida. As consequências são terríveis para todos, principalmente, para os filhos.
No entanto, não nos cabe julgar nem classificar alguém de “pecador”, porque pecadores somos todos nós. O que nos cabe é trabalhar pelo melhor. O melhor é o que Deus planejou “no princípio”.
Aí, a diversidade é superada por uma unidade indissolúvel, representada pela expressão: "Serão os dois uma só carne". Na raiz desta união está o Pai. Ele é quem une. Quando, porém, Deus une homem e mulher nada e ninguém tem o direito de desuni-los.
Somos convidados, hoje, para que, entremos “com Jesus, na contra-mão” e para que criemos uma sociedade baseada em outros valores do que os hoje em vigor.
Senhor Jesus, que os casais cristãos compreendam a profundidade de sua união, obra do próprio Deus.
Frei Gunther Max Walzer