Homilia - 03/02/2019 - IV Domingo do Tempo Comum
Muitas vezes já ouvi dizer que “santo de casa não faz milagres”. Parece que a gente se acostuma com as pessoas com as quais a gente convive todo dia e nelas a gente só vê defeitos e nas pessoas desconhecidas a gente só vê qualidades. Pessoas que estão sempre perto de nós já estão com a imagem desgastada; já as conhecemos por dentro e por fora. Apreciamos o que é diferente, preferimos artigos importados, achamos melhor o que vem de fora.
Às vezes parece que a nós mesmos nos tratamos como “santos de casa”, desconhecemos as próprias capacidades e achamos que os outros são mais dotados. Uma coisa é certa: Deus nos conhece melhor do que nós nos conhecemos.
Ouvimos Deus dizer a Jeremias, na primeira leitura: “Antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci” (Jr 1,5). E o texto da leitura lembra que desde sempre Javé queria Jeremias como profeta; antes que nascesse, já o consagrava e o fazia seu profeta. Mas Deus não engana o jovem Jeremias, não lhe promete uma vida fácil. “Eles farão guerra contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para defender-te” (Jr 5,19), diz o Senhor.
No Evangelho de hoje, encontramos o povo agredindo Jesus, expulsam Jesus da sinagoga e querem jogá-lo no precipício. Por que fizeram isso, qual foi o motivo? Talvez porque o povo esperasse de Jesus um Messias poderoso, uma intervenção direta de Deus contra os opressores. O povo tinha na cabeça uma outra ideia sobre o Messias.
Primeiramente, o povo não acreditava nele porque ele era “um deles: “Não é este o filho de José?”. Ele não é daqui de Nazaré?”. Pode vir alguma coisa boa desse lugar desconhecido? Quem era ele? Jesus de Nazaré era o seu nome.
O provérbio “Médico cura-te a ti mesmo” pode ter este significado: “olhe para você mesmo; pobre, sem projeção social, incapaz de libertar os próprios familiares da opressão e da miséria”.
O povo, ainda, queria ver milagres para acreditar: “Faze também aqui, em tua terra, tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum” (Lc 4,23b). Os vizinhos e parentes querem ver um Messias milagreiro, ou melhor dizendo: para que servem as suas palavras sábias, se ele não dá provas de sua autoridade por meio de milagres.
Sabemos que Jesus não veio a este mundo para resolver os nossos problemas nem para mostrar o seu poder mágico. Ele não interfere nos acontecimentos humanos, mudando as leis da natureza. Ele não salva o mundo através de prodígios, mas mediante o anúncio do Evangelho, com a doação de sua vida, com sua entrega solidária “para que todos tenham vida em abundancia” (Jo 10,10). O milagre é a força eficaz de sua Palavra que transforma a vida e cria novas relações na humanidade.
Os conterrâneos de Jesus não entenderam que sua missão de profeta era anunciar o amor de Deus.
Foi isso que entristeceu também São Paulo quando percebeu que a própria comunidade cristã da grande cidade de Corinto não tinha entendido o anúncio da Boa Nova de Jesus. A diversidade de dons, que deveria ser uma riqueza para a comunidade, estava gerando, discriminações, competições e divisões.
Para São Paulo, a caridade é o centro do projeto de Jesus, a mola-mestra que faz acontecer o Reino entre nós. “A caridade jamais acabará. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará.” (1Cor 13,8).
A nossa caridade não pode se confundir com uma atitude sentimental, nem com a simples camaradagem ou amizade. Não se trata da “caridade” no sentido assistencial, filantrópico, reduzido a uma simples esmola ou uma cesta básica. São Paulo apresenta a caridade como se fosse uma pessoa. Diz que a caridade é paciente, suporta a injustiça, é amável, não guarda rancor, está sempre disposta a fazer o bem.
Podemos afirmar que a caridade é que dá sentido à vida do cristão. Sem ela nada tem valor. A caridade é o máximo, porque tem sua origem em Deus. Pela caridade chegamos a Deus. Deus é amor. Procuremos encontrar em nossa vida formas e caminhos para expressar e vivenciar o amor de Deus.
Só a caridade consegue “fazer milagres”. Não podemos ficar esperando que Deus faça milagres. Nós cristãos temos que arregaçar as mangas e mudar as coisas que têm de ser mudadas. Não podemos concordar com essa tendência de hoje, de só olhar o lado espiritual, sentimental, emocional e individual da fé.
Não há dúvida de que a causa de tantas desgraças, misérias e atraso em nossa sociedade é o individualismo e o egoísmo das pessoas. Cada um quer que chova sempre na sua horta, pouco se importando com a horta do vizinho...
Somos ainda herdeiros dos nazarenos, estamos bem longe de admitir que nosso Deus é amor e o que permanece é a caridade. Essa caridade é um compromisso que assumimos no nosso Batismo. Somos chamados a testemunhar o amor que vem de Deus.
Certamente, nunca chegamos a expulsar formalmente o Cristo de nossa vida. Porém é possível que cheguemos a fazer algo semelhante, expulsando nosso irmão ou nossa irmã.
Nesse caso, de que vale nossa fé em Cristo, se ela não for comprovada pelo amor ao próximo?
Irmãos e irmãs, deixemos de ser cristãos apenas por uma questão de fé e comecemos a ser cristãos também por uma questão de amor.
Cristo nos deu o exemplo e não nos deixará sozinhos.
Frei Gunther Max Walzer