Homilia - 07/07/2019 - XIV Domingo Comum
Certamente, vocês conhecem pessoas que nos fazem bem pela sua simples presença: gente que nos acalma, nos dá esperança e paz. É gente de quem nos lembramos nos momentos difíceis, quando pensamos: “Seria tão bom se o fulano(a) estivesse aqui comigo. Eu me sentiria bem melhor...”. Possivelmente, nós mesmos somos também essa pessoa cuja presença inspira paz, confiança, calma, deixa o outro mais consolado.
Como seres humanos somos seres que se comunicam, que se relacionam. O que somos, o que sentimos, o que aprendemos e fazemos só tem sentido na medida em que comunicamos e partilhamos.
Os maiores eventos de comunicação global, onde quase todos os países do mundo se comunicam e se confraternizam são os eventos desportivos, como a Copa Mundial e a Olimpíada e, hoje, o jogo final da Copa América. Enquanto milhares de pessoas no Maracanã demonstram que a paz é possível, outras tantas milhares sofram com a violência dos conflitos nos morros e nas ruas do Rio de Janeiro e de outras cidades.
De fato, nosso país precisa do anúncio missionário dos discípulos de Jesus: “A paz esteja nesta casa!”, pois, estamos vivendo o triste contraste do sonho da paz e da realidade da violência.
Na primeira leitura, Deus nos fala de seu desejo de paz e alegria para Jerusalém. "Vou fazer a paz correr para ela como um rio, e como uma torrente transbordante a opulência das nações. Seus filhinhos serão carregados ao colo, e acariciados no regaço” (Is 66,12).
Essas palavras de Isaías vêm em boa hora: o povo precisava mesmo de consolo e esperança, depois de ter passado amargas experiências do Exílio na Babilônia.
Ao lembrar o amor de Deus e a promessa de um outro tempo mais feliz, Isaías está indicando ao povo um caminho preferencial para a realização humana: a paz e a felicidade que tanto buscamos está em Deus.
Na segunda leitura, Paulo fala também de um caminho a ser seguido. À primeira vista, pode parecer que ele se afasta muito do recado de Isaías: afinal, é possível abraçar a cruz e se sentir no colo de Deus? Paulo diz que se gloria na cruz. ”Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo (Gl, 6,14).
Paulo não é um sujeito neurótico que gosta de sofrimento. Paulo quer sua vida moldada pelo modelo da cruz. Jesus não morreu pelos anjos do céu, ele deu sua vida para que pessoas concretas, humanas, possam começar a construir aqui neste mundo o que depois Deus completará e glorificará no céu. A salvação passa pelo mundo: foi nesse mundo que o Filho de Deus se encarnou para assumir, salvar a nossa vida. A cruz de Cristo não foi erguida no céu, está fincada aqui neste nosso mundo.
É para este mundo concreto que vemos Jesus no Evangelho enviando os 72 discípulos: precisam ser acolhidos na casa das pessoas, participar da vida do povo. Jesus não ignora os risco: envia-os como “cordeiros no meio de lobos”, mas precisam ir. “Vão! Eu estou mandando vocês como ovelhas para o meio de lobos (Lc 10,3).
Lembrete para nós: a gente não evangeliza trancado na igreja.
Jesus os envia “dois a dois”, não os envia sozinhos para que não sejam arrogantes, auto-suficientes e isolados da comunidade... Jesus não recomenda grandes equipamentos, nem tem exigências complicadas: eles devem ir sem bolsas e mochilas, devem ficar onde forem recebidos e comer o que lhes for oferecido. Em outras palavras: a orientação é participar com simplicidade da vida do povo. Hoje diríamos: inculturar-se no meio do povo.
E o que devem fazer? “Quando entrarem numa casa, façam primeiro esta saudação: ´Que a paz esteja nesta casa!´” (Lc 10,5). Eles devem levar a paz, acolher as pessoas, plantar esperança, anunciar o amor de Deus. Antes de tudo, devem ser, com a sua presença e seu modo de viver, um sinal daquilo que anunciam.
“Não fiquem mudando de uma casa para outra” - diz Jesus. Ou, em outras palavras, não é para fazer nada superficialmente, pousando aqui e ali. É para criar laços, conhecer direito as pessoas e dar-se a conhecer. Muitas vezes queremos fazer muita coisa e tudo ao mesmo tempo e acabamos fazendo nada direito. Ser presença exige tempo, confiança não se constrói em poucos minutos. Uma boa parte de evangelização, que o nosso povo necessita hoje, tem a ver com o seguinte: precisamos de gente capaz de permanecer com o outro, dar-lhe atenção, tornar-se alguém para o outro. É grande o número de pessoas que se sentem anônimos dentro da Igreja. Todos deveriam se “sentir em casa”, com muitos amigos no meio dos irmãos cristãos.
Ao enviá-los Jesus desabafa: “A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos”. Um desabafo tão atual... Há tanta gente esperando receber a mensagem da paz. Onde estão os trabalhadores para fazer este trabalho? Será que faltavam apenas trabalhadores no tempo de Jesus? E hoje? Com tantos batizados por aí, trabalhadores é que não deveriam faltar.
É sim, Jesus envia todos os batizados – não apenas os padres. Há uma grande tentação por aí de descarregar o peso da evangelização nas costas dos padres e das freiras. Acontece, porém, que todos somos membros do mesmo corpo, que é a Igreja de Cristo. Por isso, todos viajamos no mesmo barco e todos jogamos no mesmo time.
Nem todos os cristãos receberam o mandato de se dedicarem, exclusivamente, à evangelização. Isso é verdade. Mas todos receberam o batismo. Todo batizado é missionário. Todos devem ser portadores da Paz .
A celebração deste domingo é uma celebração profética. Precisamos crescer na consciência que podemos fazer mais; que hoje, os setenta e dois discípulos e missionários de Jesus somos nós... pequenos, frágeis, quase nos sentindo impotentes diante da força avassaladora da violência, mas importantes e até necessários para testemunhar que a paz ainda pode vencer a guerra; que o amor ainda pode falar mais alto que a violência; que a esperança ainda pode vencer o medo... E acima de tudo que a vida continua vencendo a morte, ainda que sejamos poucos, e que a messe seja grande...
O Evangelho precisa de voluntários que não estejam dispostos somente a dar algum tempo de sua vida, mas a vida toda neste tempo que Deus nos dá.
A paz depende de cada um de nós... depende de mim, depende de você!
Frei Gunther Max Walzer