Homilia - 23/05/2021 - Solenidade de Pentecostes
Ar e vida são sinônimos. Precisamos de ar para viver e sobreviver. Se o “ar” desaparecer de nossa vida, morreremos. Se o ar está contaminado, como também sabemos, nossas condições existenciais tornam-se críticas e começamos a correr risco de morte. A falta de ar foi é uma das características mais cruéis da pandemia. Um dos sintomas mais comuns e mais preocupantes é a dificuldade para respirar. Conhecemos, pela experiência, que a falta de “ar” produz sofrimento e gera agonia na pessoa. Pessoas que vivem sufocadas, sem ar, perdem o controle de si mesmas, perdem a consciência, perdem o sentido e a orientação da vida e podem perder a própria vida.
O “ar”, na Bíblia, indica a presença da vida divina. Assim lemos nas primeiras páginas da Sagrada Escritura, no livro do Genesis, quando Deus, depois de criar o homem e a mulher, sopra neles o seu respiro, o seu “ar”; quer dizer, a sua própria vida; vida que se manifesta como Espírito (Gn 2,7). Por isso, mais importante que discutir se o homem nasceu de um boneco de barro ou se a mulher foi feita da costela do homem, é importante destacar que a vida humana é o respiro divino presente dentro de cada um de nós. O salmista cantava: “se tirais o seu respiro eles perecem e voltam para o pó de onde vieram”.
Celebramos, hoje, a solenidade de Pentecostes. O texto do Evangelho é curto mas com importantes ensinamentos para a nossa vida.
Encontramos os apóstolos numa sala de portas fechadas, assim como encontramos, atualmente, muitas pessoas isoladas em suas casas ou apartamentos em circunstâncias semelhantes dos apóstolos. Encontram-se confinadas com medo da Covid e os discípulos estão fechados no Cenáculo com medo da perseguição das autoridades dos judeus. Em ambos os casos está presente o medo da morte. Até o método curativo coincide: para o infectado pelo vírus mortífero é o respirador que lhe injeta oxigênio nos pulmões; para os discípulos de Jesus, a chegada do sopro divino que fortalece seu espírito.
Jesus entra e deseja paz aos apóstolos, porque os apóstolos estavam assustados ao ver Jesus vivo. Ele diz: “A paz esteja com vocês”. Ao reconhecê-lo, os discípulos se alegraram e Jesus voltou a repetir: “A paz esteja com vocês”. Só depois de devolver-lhes a paz e a tranquilidade, Jesus os envia.
"Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês. Depois soprou sobre eles e disse: Recebam o Espírito Santo!" (Jo 20,21-22).
Jesus não apenas fala da oferta do Espírito, mas faz o gesto significativo, sopra sobre eles, para lhes lembrar que o Espírito é Vento que sopra onde quer, Vento que não pode ser domesticado, guardado, Vento que os impele para o novo que os capacita a muitas coisas, inclusive a perdoar pecados.
“Se vocês perdoarem os pecados de alguém, esses pecados são perdoados; mas, se não perdoarem, eles não são perdoados” (Jo 20,23). Jesus envia os seus discípulos a perdoar os pecados. A Igreja sempre viu neste episódio o início do sacramento da reconciliação, onde os apóstolos recebem a autoridade para perdoar os pecados.
O pecado existe?
Neste pequena trecho do Evangelho, Jesus fala duas vezes: "A paz esteja com vocês". Dá a impressão que essa foi a finalidade de tudo: dar-nos a paz, uma paz completa que vem da reconciliação. Não a paz dos políticos, a ausência da guerra, mas a paz que nasce no íntimo do coração. No entanto, parece que essa paz encontrada na reconciliação da nossa sociedade ainda está muito distante. Sempre mais aumentam os desafios vendo as tentativas das plataformas de mídias sociais muito poderosas, como a tentativa sem precedentes de alimentar a disseminação de mentiras, notícias falsas e discurso de ódio.
Importante é também perdoar os nossos pecados pessoais. Perdoar os pecados, porque o pecado gera sentimento de culpa, o que nos tira a paz. Sem paz, a pessoa não tem alegria, nem felicidade, nem força para agir e fazer o bem. Como é importante o sacramento da confissão!
Também o perdão que nos damos uns aos outros é importante. Ele traz a paz tanto para quem é perdoado como para quem perdoa. Há pessoas que só veem as limitações e os erros do próximo. Isso é uma "miopia", porque as pessoas têm muito mais qualidades do que defeitos. Destacar as qualidades de uma pessoa é um incentivo para que ela vença as suas falhas e melhore de vida.
Tudo isso ajuda-nos compreender a importância do símbolo “ar” e do simbolismo da “respiração” para indicar a presença de Deus em nós, nas famílias e na sociedade. As intrigas, orgulho, inimizade, fofocas poluem e contaminam o ar que respiramos. Importante é a qualidade do ar para se viver e sobreviver de modo saudável numa ambiente de perdão, reconciliação e de paz.
Assim como a presença do “ar” em nossas vidas é silenciosa, da mesma forma, a presença divina em nós é silenciosa. Por isso, o silêncio é o espaço onde a gente se encontra com o Espírito de Deus. O símbolo do “ar” ajuda-nos também a avaliar o que respiramos, que vida respiramos dentro de nós e no nosso ambiente. Quem tiver em si o “ar” divino, a presença do Espírito Santo, não vive sufocado, ao contrário, vive livre porque a vida flui em quem respira Deus.
“Jesus soprou sobre eles e disse: recebam o Espírito Santo!” Neste momento, os discípulos perderam o medo, abriram suas portas que estavam fechadas e saíram em missão para anunciar a todas as pessoas essa verdade, que o Espírito do Senhor nos renovou, que em todos nós a graça é maior e mais abundante que o pecado. E quando todos nós olharmos para dentro de nós e tomarmos consciência dessa verdade, de que é somos templo ambulante porque o Senhor habita nós em Espírito, então passaremos a produzir os frutos da caridade, alegria, perdão, fraternidade, bondade e solidariedade.
Já fizemos essa experiência?
Frei Gunther Max Walzer