Homilia - 25/02/2024 - II Domingo da Quaresma
No domingo passado, refletíamos sobre as tentações na vida de Jesus e em nossas vidas. Nesse domingo não consideramos as tentações, mas provações. A 1ª leitura destaca a provação de Abraão, terrível por causa da exigência de sacrificar seu filho Isaac.
Lembro-me de dados do Ministério da Saúde em Gaza, administrado pelo Hamas, que mostram que em média quase 300 pessoas foram mortas todos os dias desde o início do conflito. .
No Evangelho, Jesus está prestes a passar pela grande provação de sua vida, na Paixão e Cruz. O salmista como que considera as duas provações, de Abraão e Jesus, e reconhece que o sofrimento em suas vidas é demasiado, por se tratar de uma provação que exige a entrega da vida. As provações sempre estão presentes em nossas vidas e, na maior parte das vezes, temos dificuldades de suportar aquelas provações que exigem a doação radical, ou a doação daquilo que não vem ao encontro de nossos interesses pessoais, ou atrapalham nossos interesses pessoais. É quando a provação, no dizer do salmista, torna-se sofrimento a ponto de colocar a fé em crise.
As três leituras nos falam da oferta preciosa de um filho amado. Abraão oferece a Deus seu filho, mas Deus mostra que não é isso que Ele quer. Ele mesmo vai fazer à humanidade uma oferta bem maior. Por quê Ele faria isso? Que valor temos nós para Deus ser tão generoso?
Muitos gostariam que existisse a Páscoa sem Semana Santa? Por quê? Porque preferimos um Jesus festivo, jovem, simpático, com olhos românticos, e não gostamos muito de um Jesus esmagado, aniquilado e crucificado.
A liturgia nos apresenta o texto da Transfiguração de Jesus. Este texto não é para ser lido em forma de curiosidade, como quem lê uma notícia para conhecer fatos e acontecimentos. É um relato da experiência que Pedro, Tiago e João tiveram com Jesus no Monte Tabor.
Na viagem para Jerusalém, de repente, Jesus faz uma parada para rezar. Foi rezar lá no alto de uma montanha. Foi conversar com o Pai, refletindo e dialogando sobre sua missão.
Num dado momento, Jesus aparece diante dos apóstolos transfigurado. É importante compreendermos o próprio sentido do termo transfiguração: mudar de figura. Jesus, que era conhecido pelos seus discípulos, até aquele momento, como homem, se apresenta, agora, como Deus, mudando a sua figura. Ele revela sua divindade, sua vida divina. Por isso se ouve uma voz dizer: “Este é o meu Filho amado” (Mc 9,7).
“E os três discípulos viram Elias e Moisés conversando com Jesus” (Mc 94). Por quê esses dois? É que Moisés faz lembrar a saída da escravidão do Egito e a aliança do povo com Deus no monte Sinai, e Elias representa todos os profetas da antiguidade.
Sobre o que conversaram? Foi uma conversa um tanto desagradável: falaram do sofrimento, das dificuldades, da cruz, da morte de Jesus em Jerusalém.
Qual o sentido da Transfiguração?
No fundo, a transfiguração está querendo dizer o seguinte para Pedro, Tiago e João, e também para nós: Olhem bem! Atrás desse Jesus que vai ser morto pela maldade humana se esconde a glória de sua divindade, que ainda vai se manifestar. Aguardem o que vai acontecer depois! Ele é o Filho de Deus, o Escolhido para uma grande tarefa, a de vencer o pecado e a morte pela morte e ressurreição.
Ao despertarem do sono, os três não querem descer da montanha. “Como é bom, Senhor, estarmos aqui!” (Mc 9,5). Para quê descer da montanha? Lá embaixo tudo é tão complicado; tudo é tão difícil... Fiquemos por aqui, eles pedem! Mas, o Senhor volta com os três discípulos para a planície do dia a dia.
A vida diária, às vezes, nos leva a uma vida que tende a virar rotina, monótona, cansativa, deixando-nos desanimados, sem força para caminhar. De repente tudo mudou com a chegada do Dengue e outras doenças. A realidade não mudou, mas nossa vida muda. Novas necessidades tornam-se evidentes, realidades que tínhamos esquecido devido à nossa superficialidade. Irrompam valores e experiências que, pela necessidade, aparecem e se tornam momentos especiais: a solidariedade, a ajuda mútua e a fraternidade. São experiências e momentos que nos permitem sair da rotina, apesar da gravidade da doença e despertam novas forças e energias renovadas.
Hoje, não podemos nos encontrar com Jesus no Tabor da Galileia. Mas precisamos buscar nosso Tabor interior, onde ouviremos a Voz que confirmará nossa filiação: “Este(a) é meu (minha) filho(a) amado(a)”. Nesta quarentena da pandemia, é possível nos depararmos com muita surpresa e que jamais imaginávamos quando percebemos quem somos nós. É preciso nos despojar daquilo que nos desfigura e buscar o que nos transfigura.
Por isso, não podemos permanecer em nosso isolamento, não podemos permanecer em um “monte”, isolados e acomodados, mas temos que “descer” à vida cotidiana, com todos os seus conflitos e problemas, e viver ali o que “temos visto e ouvido”.
Jesus nos fez um apelo: “Convertam-se!”. Converter-se é deixar trans-parecer toda nossa riqueza interior. E isso não é fácil; normalmente cobrimos nossa verdade com máscaras ou com um “papel” que interpretamos. Vivemos uma quantidade de experiências amontoadas: ativismo, rotina, angústias, trabalho sem sentido. Nosso mundo parece ser um filme de ficção.
Ouçamos, novamente, a voz divina, proclamada no Evangelho, quando dizia: “Este é o meu Filho amado, escutai o que ele diz” (Lc 9,7). Escutar o que Jesus diz é escutar o que diz o Evangelho. Mas, só pode obedecer a Deus quem o ouve. Quem não ouve não obedece, mas quem ouve obedece ao que diz o Senhor. O modo que temos para criar mais fraternidade é através do diálogo. Aqui está uma tarefa missionária, ajudando as pessoas a ouvir o que Jesus diz para a sociedade. Quando isso acontece, entendemos que não podemos construir tendas para ficar longe da sociedade, como queria Pedro, mas precisamos, como Igreja, descer para transformar a sociedade com a palavra transfiguradora e transformadora de Jesus. Façamos isso com muita coragem, sem medo, porque se Deus está do nosso lado, quem poderá se colocar contra nós?
Frei Gunther Max Walzer