Homilia - 07/04/2024 - II Domingo da Páscoa
A palavra “medo” ocorre na primeira frase que se encontra do texto do Evangelho de hoje. Os discípulos de Jesus estavam reunidos e, por causa do medo dos líderes judeus, trancaram as portas. O medo está presente na situação angustiante em que nos encontramos no tempo presente. O surto da dengue colocou toda a população brasileira em alerta. O mosquito que causa a dengue fez com que as pessoas se sentissem receosas com as consequências futuras que trará para suas vidas. Encontramos o medo da perda de entes queridos, do desemprego, da incerteza, da situação em que o país se encontra e, enfim, todos nós estamos com medo.
Aqueles discípulos estavam assustados. Estavam de portas trancadas, sentiam medo. Com a morte do Mestre sentiram-se indefesos e desamparados. Conheciam a realidade em que viviam; sabiam que o mesmo poderia acontecer com eles. E, se Jesus tinha sido um fracassado, que Deus não socorreu no último momento, por quê haveriam de seguir no caminho que ele havia indicado? A incredulidade de Tomé é um reflexo dessa decepção. A cruz era a realidade que ele tinha visto, combinava com o mundo que ele conhecia. Esperança na ressurreição parecia fantasia.
Hoje, há muita gente que olha o mundo com a mesma angústia e decepção desses discípulos assustados e com uma dificuldade semelhante à de Tomé. É gente que vê as muitas cruzes que ameaçam a vida, como se Deus estivesse ausente. Além dos doentes e vítimas de câncer, veem famílias dormindo na rua, jovens drogados, desempregados, violência, filhos que amam seus pais doentes e não têm como tratar da saúde deles... A cruz é visível, escandalosa até. Muitos talvez se perguntam: Será que Deus existe mesmo? E se existe, por quê nos abandonou desse jeito? O grito de incredulidade dessas pessoas não é a rejeição a Deus de fato, é um pedido angustiante para ver sinais do Reino que Jesus anunciou, para ver a Vida vencendo.
No Evangelho de hoje, vemos que os discípulos se alegraram ao ver Jesus vivo no meio deles. Quem não se alegraria? Se a morte não derrotou o próprio Jesus, havia uma fantástica esperança no ar. A morte, afinal, não era tão definitiva e poderosa, havia algo mais que podia gerar confiança na força de Deus da Vida! Que bom! Isso deve ter dado um entusiasmo grande, mas não era coisa evidente à primeira vista. Não foi tão fácil chegar a esse tipo de fé.
Tomé pôs condições para acreditar. Queria ver e tocar Jesus. Não queria ver e tocar um Cristo glorioso, coroado ao lado do Pai. Queria ver e tocar as marcas dos pregos, os ferimentos do crucificado. Tomé queria ver a vitória sobre a dor de Jesus, queria perceber que seu Mestre, o mesmo que havia sofrido e sido humilhado, não tinha sido vencido! E quando viu, acreditou, “faz as pazes” com Deus.
“Felizes são os que não viram, mas assim mesmo creram!”. Jesus fala da bem aventurança da fé. Em qualquer situação desesperadora, no fundo também queremos ver algo que desminta nossa descrença. Queremos ver a vitória sobre a dor e o sofrimento.
A saudação de Jesus nos é bem familiar: “A paz esteja com vocês!”. A paz é a vida se desenvolvendo dentro do projeto de Deus, que nos criou para sermos felizes.
Logo depois de desejar a paz, Jesus envia seus discípulos. São enviados para fazer o que ele fez, ser sinal de vitória da vida, como o próprio Jesus sempre foi. Não será suficiente pregar, falar de Jesus, declarar a fé na Ressurreição. Vai ser necess’ário mostrar, na própria vida, os sinais daquilo que estavam sendo convidados a construir.
Tomé, certamente, não é um modelo, embora nele possamos nos reconhecer. Por isso, Jesus lhe diz: “Felizes são os que não viram, mas assim mesmo creram!”. Milagres e aparições não nos dão acesso à verdadeira fé, mas é pelo amor vivido pelo Cristo Crucificado que se começa a crer. Só o amor de Jesus narrado e anunciado pelo Evangelho é que nos pode levar à fé, fazendo-nos invocar Jesus como “nosso Senhor e nosso Deus”.
Jesus não esperava que tudo fosse perfeito. Vemos pelo texto do livro dos Atos e pelas recomendações das cartas de Paulo, que o pecado se inseria até nas primeiras comunidades cristãs. Por isso, o mandato para oferecer o perdão vai junto com o envio. Jesus entra no cenáculo e entrega o seu Espírito Santo para os Apóstolos com a missão de perdoar os pecados. “Recebam o Espírito Santo. Se vocês perdoarem os pecados de alguém, esses pecados são perdoados”.
Hoje, comemoramos o “Domingo da Misericórdia Divina”. Praticar a misericórdia e o perdão também é uma espécie de ressurreição, uma força a serviço da vitória da vida.
Uma ótima reflexão sobre a misericórdia nos oferece o papa emérito Bento XVI numa Exortação Apostólica.
“A misericórdia é, na realidade, o núcleo central da mensagem evangélica, é o próprio nome de Deus, o rosto com o qual Ele se revelou na antiga Aliança e plenamente em Jesus Cristo, encarnação do Amor criador e redentor. Este amor de misericórdia ilumina também o rosto da Igreja e se manifesta, seja através dos sacramentos, em particular o da Reconciliação, seja com obras de caridade, comunitárias e individuais. Da misericórdia divina, que pacifica os corações, surge, também, a autêntica paz no mundo, a paz entre os povos, culturas e religiões. Como Irmã Faustina, João Paulo II se converteu por sua vez em Apóstolo da Divina Misericórdia” (Bento XVI, 30/03/08).