Homilia - 14/04/2024 - III Domingo da Páscoa
Quando alguém bate na porta e nós perguntamos “quem é”, e a resposta é: “Sou eu”, não há necessidade de dizer mais nada quando é alguém da família, ou é um amigo ou um conhecido.
Os apóstolos estavam trancados numa sala e, de repente, Jesus entra e diz: “A paz esteja com vocês!” Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma.
Estavam de portas fechadas, com medo. Tinham visto o Mestre morrer na cruz. Conheciam a realidade em que viviam; eles sabiam que o mesmo poderia acontecer com eles. Os apóstolos estavam bem desnorteados. Imaginemos: Sem mexer um dedo, Deus abandona seu Filho e o entrega nas mãos dos violentos; deixa que eles o julguem e condenem, e deixa que soltem um assassino, este tal de Barrabás. Deus ainda permite que ele fique suspenso numa cruz uma tarde inteira, permite que ele morra abandonado por todos. E agora Jesus aparece e os pergunta na maior provocação: “Por que vocês estão perturbados, e por que surgem tais dúvidas nos corações?”
Os apóstolos imaginaram que tudo fosse diferente: pensavam que começasse um Reino onde houvesse justiça, mas estavam vendo que as injustiças continuavam; eles pensavam que o povo tivesse uma vida melhor, mas viram que o número dos corruptos e dos mais fortes aumentasse cada vez mais; por fim viram o Mestre morrer numa cruz.
“Então Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras e lhes disse: ‘Assim está escrito: O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia’.”
Daqui para frente o entendimento de Pedro e dos discípulos era outro. “O Deus de nossos antepassados glorificou o servo Jesus. Vocês o entregaram e o rejeitaram diante de Pilatos, que estava decidido a soltá-lo. Vocês rejeitaram o santo e o justo, e pediram a libertação para um assassino. Vocês mataram o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos, e disso nós somos testemunhas”, diz Pedro aos judeus. E para provar isso, ele menciona, além do fato da ressurreição, as Escrituras do Antigo Testamento, que falavam do sofrimento que o enviado de Deus haveria de enfrentar.
Conforme o Evangelho, o próprio Jesus tinha explicado essas profecias aos discípulos, aparecendo-lhes nos dias depois da Páscoa.
Muitas vezes, na vida, a gente só descobre o sentido profundo das coisas depois que aconteceram. Assim também foi preciso primeiro o Cristo morrer e ressuscitar, antes que os discípulos entendessem o sentido pleno dos textos do AT que falam do profeta rejeitado, do Servo Sofredor, etc. A ressurreição é, então, a prova que o amor de Deus é mais forte que a morte.
Como os apóstolos estavam trancados na sala cheios de dúvida e com medo, assim nós, muitas vezes, nos encontramos na mesma situação.
De fato, também, hoje nossa fé e nossa esperança passam pelas mesmas torturas e pelas mesmas provações. Estamos vendo tantas injustiças e tantos escândalos de lideranças políticas. Milhões de adultos, jovens e crianças são, diariamente, ceifados pela fome em todos os continentes, enquanto outros esbanjam suas fortunas.
Segundo o Banco Mundial (Bird), a quantidade de pessoas muito pobres deverá aumentar de 37,6 milhões para 40,3 milhões na América Latina e no Caribe, subindo de 6,6%, em 2008, para 7% da população neste ano. E Deus não intervém, não faz nada.
E a segurança pública? Ladrões e bandidos continuam desfilando impunes pelas praças públicas de nossas cidades. E Deus não intervém, não faz nada.
A esta altura, não podemos deixar de levantar nossas dúvidas angustiantes: Como é que Deus não mostra o poder de seu braço, pondo as coisas no devido lugar, no lugar certo?
Não temos uma resposta satisfatória para todas essas dúvidas. No entanto, todos nós temos uma arma que nunca enguiça e nunca falha: é a nossa fé, que um dia nos dará a vitória. É Deus, porém, que vai decidir o “como” e o “quando”.
Continuemos caminhando nesta fé apesar de tudo. Mas que tal nós colaborarmos com Deus para apressar a derrota do pecado e para apressar a vitória do amor?
“Vocês serão testemunhas de tudo isso”. Depois dessas palavras, os discípulos deixaram aquela sala e anunciaram por toda parte o Cristo ressuscitado.
Saiamos também da sala do nosso individualismo. Se o Cristo ressuscitou verdadeiramente, por que ter medo, por que se esconder, por que fugir?
Se o Cristo está conosco, se temos certeza da vitória, por que tantos complexos, por que tanto medo, por que tanta complicação, por que tanta desconfiança?
Como podemos contagiar os outros com a nossa alegria, se somos tristes, frios, fechados em nós mesmos e cansados?
Como podemos despertar a esperança nos outros, se facilmente nos desesperamos perante as dificuldades e problemas, e até entramos em depressão, quando não conseguimos resolver os conflitos que surgem dentro de nós?
Como podemos falar de ressurreição e vida eterna, se vivemos agarrados e apegados às coisas passageiras daqui deste mundo?
Como podemos falar de libertação e crescimento, se vivemos amarrados a nossos vícios e maus hábitos?
Como podemos falar em fraternidade, se ainda não conseguimos superar as pequenas mágoas e os nossos rancores, se ainda continuamos alimentando a nossa desunião com fofocas e falando mal dos outros?
Sejamos testemunhas da paz e da alegria do Cristo Ressuscitado. Unidos a Ele, devemos lutar para a construção de um mundo mais humano, mais justo e mais fraterno.
“Vocês serão testemunhas de tudo isso”.