Homilia - 2402/2013 - 2º Domingo da Quaresma
É o segundo Domingo da Quaresma e estamos caminhando em direção à Festa da Páscoa. Com Jesus, estamos caminhando rumo a Jerusalém, a cidade onde Jesus vai sofrer muito, onde será morto e onde acontecerá sua ressurreição.
Na viagem para Jerusalém, de repente, Jesus faz uma parada para rezar. Foi rezar lá no alto de uma montanha. Domingo passado vimos que Jesus foi ao deserto para um jejum de quarenta dias. Hoje, o Evangelho mostra um Jesus orante, que conversa com o Pai, refletindo e dialogando sobre sua missão, e tirando daí energia e força para cumprir sua missão.
Num dado momento, Jesus aparece diante dos apóstolos transfigurado. É importante compreendermos o próprio sentido do termo transfiguração: mudar de figura. Jesus, que era conhecido pelos seus discípulos, até aquele momento, como homem, se apresenta, agora, como Deus, mudando a sua figura. Ele tem uma “identidade” singular que ninguém lhe pode tirar: sua filiação divina, sua divindade, sua vida divina. Por isso se ouve uma voz dizer: “Este é o meu Filho, o Escolhido”.
“Dois homens estavam conversando com Jesus: eram Moisés e Elias“. Por que esses dois? É que Moisés faz lembrar a saída da escravidão do Egito e a aliança do povo com Deus no monte Sinai, e Elias representa todos os profetas da antiguidade.
Sobre o que conversaram? Foi uma conversa um tanto desagradável: falaram do sofrimento, das dificuldades, da cruz, da morte de Jesus em Jerusalém.
Qual o sentido da transfiguração? No fundo, a transfiguração está querendo dizer o seguinte para Pedro, Tiago e João, e também para nós: Olhem bem! Atrás desse Jesus que vai ser morto pela maldade humana se esconde a glória de sua divindade, que ainda vai se manifestar. Aguardem o que vai acontecer depois! Ele é o Filho de Deus, o Escolhido para uma grande tarefa, a de vencer o pecado e a morte pela morte e ressurreição.
Ao despertarem do sono, os três não querem descer da montanha. “Como é bom, Senhor, estarmos aqui!”. Para quê descer da montanha? Lá embaixo tudo é tão complicado; tudo é tão difícil... Fiquemos por aqui, pedem! Mas, o Senhor demonstra que a experiência que fizeram não é para o “consumo próprio”. O que viram deve ser testemunhado aos outros através das obras de evangelização e da prática da caridade.
Jesus desceu do Tabor e foi atender o povo que o esperava. Foi ajudar na transfiguração dos desfigurados pela doença, desesperança, rejeição. Desceu encorajado e confortado, pronto a encarar o que desse e viesse.
Quando passo aqui durante os dias da semana, vejo que muita gente faz desta igreja um Tabor: um lugar de refúgio. Muitas pessoas procuram este oásis de paz no meio do barulho e agito do cotidiano. É claro que há momentos em que procuramos abrigo na casa do Senhor. A igreja pode servir para isso, ou talvez um canto (uma poltrona) em nossa casa.
“Monte e oração” são duas palavras chaves na leitura do evangelho de hoje. O monte é lugar de silêncio, de solidão, onde Deus se manifesta. Ele nos chama a subir ao monte para dialogar, para rezar. O Tabor é um lugar de alimento espiritual, de restauração das forças, de repouso para os aflitos... Mas não é para ficarmos aí estacionados, parados.
A Campanha da Fraternidade deste ano nos quer levar à planície da realidade da juventude.
Como Jesus, na planície, foi ao encontro dos desfigurados pela doença e desesperança, devemos ir ao encontro dos jovens que precisam transfigurar a vida.
Como é o rosto dos jovens que se encontram na planície da vida? Rostos jovens e bonitos ganham capas de revistas, de cds e são destacados na TV.
No entanto, a realidade dos jovens é outra, encontramos o rosto desfigurado pelas desigualdades. As condições de vida oferecidas aos jovens são desiguais. Práticas discriminatórias e preconceitos ainda vigentes têm marcado a vida dos jovens e comprometido seu futuro.
Os jovens no meio urbano convivem com rotinas de altas taxas de desemprego e de violência. “De acordo com o Mapa da Violência 2011, enquanto a taxa de mortalidade total da população brasileira caiu, a dos jovens subiu, puxada pelos homicídios. Na população não jovem, 2% das mortes são por homicídios. Entre os jovens esse percentual é de 40%”.
Encontramos, também, o rosto desfigurado pela rede virtual. Apesar de ser uma das “maravilhosas invenções da técnica”, a internet, bem sabemos, não é um meio sem riscos. Uma estatística mostra que 46% dos paulistanos, de 6 a 18 anos, não são fiscalizados pelos pais acerca dos sites acessados. Isso aumenta o risco de serem vítimas de pedofilia.
As redes sociais são também um campo profícuo para a difusão de ideologias que diminuem a vida. É muito comum encontrarmos grupos que defendem violência, consumo de drogas, preconceitos, pornografia.
Olhando para a juventude, muitos outros traços deixam o rosto desfigurado dos nossos jovens.
Numa carta dirigida aos párocos, motivando-os a preparar a juventude de suas paróquias e comunidades para a realização da Jornada Mundial da Juventude, o presidente da Comissão, Dom Eduardo Pinheiro da Silva, afirma: “A JMJ vem para nos auxiliar a ver o rosto do jovem em nosso meio, ler seus sinais, bem como a verificar se nossas comunidades „têm rosto jovem‟ ou se ainda se encontram „desfiguradas‟.
“Sem o rosto jovem a Igreja se apresentaria desfigurada”.
Não dá para pensar uma pessoa sem rosto… nem uma Igreja sem os jovens; nem uma comunidade sem alguma expressão juvenil significativa, sem propostas concretas que contemplem os jovens com seus sonhos, idéias, dores!
Nosso questionamento: Qual é o rosto de nossas paróquias? Somos capazes de reconhecer no rosto da Igreja, o rosto dos jovens; e no rosto deles, a comunicação de Deus? Aprendemos a ler os sinais que Deus nos revela por meio deles?
Este tempo da Quaresma não é só um tempo de penitência, mas é um tempo do Tabor, da oração, da transfiguração e da escuta da Palavra do Senhor.
“Da nuvem saiu uma voz que dizia: ‘Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que ele diz!”.
O centro da transfiguração é a visão transformante de Cristo e a Palavra de Deus-Pai. Jesus deve ser escutado. O mundo de hoje deve voltar a escutar Jesus. Só assim será feliz.
Senhor nosso Deus, dai-nos a graça de escutar Jesus, única palavra de amor, e de sermos transfigurados das nossas “desfigurações” do pecado.
Frei Gunther Max Walzer, Ofm